quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Oito Noites: Noite II

Leia antes:
Noite I





É importante dizer que a noite abafada anterior fora substituída por uma forte chuva, o que tornava a visão do corredor do sexto andar ainda mais assustadora. Trovões ecoavam do lado de fora.
Eu hesitei. Fiquei parado observando, estarrecido, aquele corpo caído em frente a minha porta. Mas o momento de hesitação não durou muito, pois minha curiosidade não deixou.
Aproximei-me lentamente do corpo, era mesmo um homem e ele estava com o rosto para baixo.  Virei o corpo a fim de ver seu rosto e me deparei com um cara que deveria ter mais ou menos a minha idade, dos vinte e seis não passava. Algumas mechas de cabelo castanho caiam-lhe à testa e misturavam-se com sangue, presumi que ele havia se ferido na cabeça. No canto de sua boca também havia sangue. O cara não estava morto, mas provavelmente muito bêbado, pois o cheiro de álcool era bem forte.
Olhei para as portas dos elevadores, porém àquela hora não havia ninguém chegando. Creio que eu era o único, pelo menos no sexto andar, a chegar tão tarde do serviço.
Continuei parado observando o cara caído, ele era muito bonito. Do bolso de sua calça jeans pendia um chaveiro. Eu o peguei, continha duas chaves, uma de carro e outra comum. O mais interessante é que o chaveiro era um quadrado feito de plástico transparente e nele fora entalhado o número 23. Logo deduzi que o cara só poderia ser meu novo vizinho!
Com o chaveiro em mão fui até a porta do apartamento vinte e três e, sem surpresa, consegui abri-la. Escancarei a porta e voltei ao rapaz. Tentei erguê-lo, porém ele era mais pesado do que eu e estava completamente inconsciente. Então o agarrei por baixo dos braços e o arrastei até seu apartamento.
No interior do apartamento, deixei o cara no chão para fechar a porta. Seu apartamento possuía exatamente as mesmas proporções que o meu, só não estava completamente mobiliado. Quase tudo ainda permanecia dentro de caixas espalhadas por toda parte. No cômodo de entrada, a sala-cozinha, havia apenas um sofá de três lugares e um pequeno rack com uma TV de LCD. Atrás do balcão estilo americano vi um fogão e um micro-ondas em cima do balcão.
Entrei onde seria o meu quarto se estivesse no meu apartamento. Provavelmente aquele também era o quarto dele. A cama não estava montada, o estrado havia sido encostado na parede e o colchão posto no chão puro mesmo.
Voltei até a sala e arrastei o cara até seu quarto, o coloquei no colchão e tirei seus tênis. Ele emitiu uma espécie de grunhido e sacudiu os pés.
Fiquei ali parado olhando para ele. Como era bonito! A calça jeans apertada e a regata preta salientavam seu corpo nem muito forte, nem muito magro. Mas eu precisava fazer alguma coisa sobre o ferimento em sua cabeça. O sangue havia coagulado melando sua testa e parte do nariz. Era como um enorme corte em sua face branca e pálida.
Fui até o banheiro, tirei a toalha de rosto do suporte na parede e a molhei debaixo da torneira. Voltei ao quarto, sentei no colchão ao lado dele e pus-me a limpar sua testa. Quando toquei o ferimento de sua cabeça ele gemeu doloridamente. Era como se estivesse em estado de coma. Meu coração batia acelerado temendo que ele acordasse naquele momento. Ele não acordou, entretanto agarrou subitamente a minha mão, não havia força naquele toque, eu senti gratidão. Ele tombou o rosto para o outro lado e prosseguiu em seu sono embebido de álcool e suor.
Larguei a toalha e a chave ao lado do colchão. Coloquei-me de pé, admirei mais uma vez o rosto daquele belo rapaz e percebi que eu não havia limpado o sangue de sua boca.
Já dentro de meu apartamento, alimentei o Chester, troquei de roupa e fui até a janela de meu quarto apreciar a chuva – que só fazia aumentar - pensando em meu novo e machucado vizinho.


Continua...

(Lord Klavier)

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